O Alcoolismo
Fonte: Unesp/Universidade Estadual Paulista

Introdução à Problemática do Álcool

A Organização Mundial de Saúde considera o alcoolismo como uma das doenças que mais matam no mundo.
Segundo um levantamento realizado pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, 15% da população brasileira é alcoólatra. De acordo com os pesquisadores, o Brasil gasta 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano para tratar de problemas relacionados ao álcool, incluindo desde o tratamento de um dependente até a perda da produtividade por conta da bebida. A indústria do álcool por sua vez, movimenta 3,5% do PIB.  Pesquisas realizadas pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID, em dez capitais do país ao longo de dez anos, comprovam que os jovens brasileiros consomem mais álcool do que as principais drogas ilegais somadas. O último dos quatro levantamentos, realizado em 1997, aponta que metade dos estudantes com idade entre 10 e 12 anos já usou álcool. A pesquisa apontou ainda que, após beber, cerca de 11% dos jovens envolveram-se em brigas e 19,5% faltaram à escola no dia seguinte. Pode-se observar o uso do álcool comparado a outras drogas no gráfico 1.
A referida pesquisa também aponta que, entre os alunos da Rede Estadual de Ensino Fundamental e Médio, na cidade de São Paulo, o álcool tem a preferência, conforme indica o gráfico 2.


GRÁFICO 1 - USO DO ÁLCOOL COMPARADO A OUTRAS DROGAS


Fonte: CEBRID - 1997

GRÁFICO 2


Fonte: CEBRID - 1997

A pesquisadora Ana Regina Noto, do CEBRID, afirma que: "Um em cada três brasileiros prova álcool pela primeira vez na própria casa, quase sempre oferecido pelos pais (...) Isso acontece porque a sociedade não considera o álcool uma droga".
Durante muitos anos, o consumo da maconha foi considerado como o primeiro estágio da dependência química. Depois de fumar cigarros preparados com a erva, a pessoa passaria a usar drogas cada vez mais pesadas e em maior quantidade. Os estudos demonstram que o problema começa de outra forma: no consumo exagerado de bebidas alcoólicas.
A passagem de um consumo ocasional a um consumo intenso ou contínuo é chamada de escalada quantitativa e, a mudança de um uso de produtos "leves" para outros considerados "pesados" é chamada de escalada qualitativa. Entretanto, a evolução para a escalada não é nem automática, nem irreversível. "Não há dúvida de que a porta de entrada da dependência é o álcool", garante o professor Arthur Guerra de Andrade . Como a bebida é socialmente aceita, beber em excesso raramente é considerado um problema, apenas um deslize passageiro.
A pesquisa da professora Sandra Schivoletto, desenvolvida em São Paulo, também demonstra que o álcool é a primeira droga usada por adolescentes. Pelo levantamento, o contato com a bebida ocorre, em média, aos 11 anos. O cigarro vem depois, aos 12 anos. A média de idade para o primeiro uso de maconha é de 13 anos e o de cocaína, 14 anos. Além do contato com a bebida ser mais precoce, a relação que o adolescente estabelece com ela, também causa preocupação.
A adolescência, quando geralmente ocorre o primeiro contato com as drogas, é a etapa mais vulnerável do desenvolvimento humano. Os indivíduos buscam uma resposta química para suas dificuldades. Muitos jovens vinculam o consumo de bebidas ao lazer. A associação que os adolescentes fazem do álcool com o amadurecimento e prazer leva ao abuso.
Outro aspecto fundamental é a facilidade de acesso à bebida. Embora sua venda seja proibida para menores de 18 anos, em todos os pontos do país existem locais onde jovens compram e ingerem álcool livremente. "A cultura de que os encontros têm de ser regados com bebidas alcoólicas aumentou de forma considerável nos últimos anos e os jovens, para se sentirem integrados, acabam adotando esse mesmo hábito", diz Andrade.
No livro "Inteligência Emocional", Goleman afirma que a capacidade de lidar com sentimentos de ansiedade pode eliminar o ímpeto do uso de drogas ou álcool. Ele garante que essas aptidões emocionais podem ser ensinadas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente representou uma mudança de enfoque em relação às drogas, passando a ser considerada uma questão de saúde pública, e não apenas um problema de polícia.
Uma pesquisa realizada pela professora Beatriz Carlini Cotrim e Alice Chasin, sobre as mortes violentas ocorridas na região metropolitana de São Paulo em 1994, constatou que 50% dos atropelados, 60% dos afogados e 50% das vítimas de homicídios, haviam ingerido altas doses de álcool (ver Gráfico 3).

GRÁFICO 3


Fonte: Cotrim e Chasin - 1994

Dados fornecidos pelos Alcoólicos Anônimos e descritos no Gráfico 4
demonstram as tristes conseqüências do uso de álcool:

GRÁFICO 4 - Conseqüências do uso de álcool

Efeitos do Álcool sobre o Organismo

Os efeitos do álcool sobre o organismo dependem de sua ação tóxica direta sobre as células. Após ser absorvido, parte no estômago e o restante no intestino delgado, o álcool é quimicamente transformado no fígado, cerca de 90%. Neste processo, é submetido à oxidação, sendo sua estrutura química modificada, liberando energia (calorias), e transformando-se numa substância tóxica chamada acetaldeído, que rapidamente se torna acetato, que passa a carbono e água, voltando para a corrente sangüínea para ser filtrado através dos rins e ser expelido na urina.

ÁLCOOL -> ACETALDEÍDO -> ACETATO ð DIÓXIDO DE CARBONO + ÁGUA

Os 10% restantes saem do corpo através do suor, hálito ou diretamente pela urina.

A REAÇÃO BIFÁSICA AO ÁLCOOL

GRÁFICO 5 - REAÇÃO BIFÁSICA

grafico5.gif (13858 bytes)

Reação Bifásica é um termo que determina as duas fases da resposta do organismo à ingestão alcoólica, conforme demonstrado no Gráfico 5. Na primeira fase, são sentidos os efeitos prazerosos do álcool até o "ponto de virada" onde iniciam-se as sensações ruins. Quando há desenvolvimento de tolerância a passagem para a segunda fase acontece em um tempo menor. O aumento da ingestão de bebida levará a uma diminuição dos efeitos de euforia e a um aumento dos efeitos depressivos.
Pode-se observar no referido gráfico o "mito cultural sobre o álcool": quanto mais se bebe mais prazer se obtém.
Apesar do álcool parecer estimulante em suas doses iniciais, ele é sempre depressor. As primeiras doses inibem a crítica (superego), a capacidade de julgamento, fazendo com que o bebedor se sinta mais livre para falar o que desejar. Segundo Valentin Gentil Filho, apud Tiba: "o álcool em baixas doses deprime o sistema reticular, liberando o córtex e promovendo euforia e desinibição comportamental". Com o aumento das doses, passa a deprimir cada vez mais o Sistema Nervoso Central, podendo levar à morte.

TOLERÂNCIA E METABOLISMO

O uso de drogas caracteriza-se pelo desejo ou necessidade de consumi-las, pela tendência a aumentar a dose e pela dependência física e/ou psíquica. À necessidade de aumentar a dose para obter o mesmo efeito dá-se o nome de tolerância. No caso do álcool, a tolerância levará mais rapidamente aos efeitos depressivos ou disfóricos.
Quando a tolerância é considerada grave, não há efeitos de euforia e o álcool serve apenas para diminuir os sintomas depressivos. Quando alguém desenvolve tolerância física significa que, com o tempo, necessita beber uma quantidade maior para que sinta os efeitos do álcool.
A tolerância ao álcool pode causar riscos à saúde. Reações de desconforto após beber, são meios que o organismo tem para responder aos efeitos tóxicos do álcool. Quando se desenvolve a tolerância, significa que é possível manter níveis altos de toxinas no organismo, por um tempo maior. Tal fato provoca um desgaste de funcionamento e aumenta a probabilidade de se desenvolver as conseqüências negativas relacionadas ao álcool.
A tolerância não é uma vantagem. O álcool ingerido causa os mesmos danos que causaria a uma pessoa que não a desenvolveu. É possível diminuir a tolerância através da moderação da quantidade e freqüência do hábito de beber, ou após suspender o álcool por algumas semanas.
A resposta bifásica também muda, dependendo da tolerância desenvolvida. Ocorre uma diminuição da fase inicial ou positiva. A Segunda fase, ou negativa, é igual ou maior, criando assim um maior desconforto.
A maioria dos indivíduos só pode metabolizar aproximadamente uma dose de álcool por hora e não há como acelerar este processo. Exemplo: Se alguém bebe cinco doses em 1 hora, levará cerca de 5 horas para seu corpo metabolizar todo álcool ingerido. É importante ressaltar que, embora o organismo tenha esta capacidade, a parte psíquica pode perder rapidamente a capacidade de controle sobre o álcool, já que uma de suas principais características é tirar a capacidade de se avaliar o próprio estado alcoólico. Infelizmente, a percepção do abuso chega ao usuário tarde demais. Isto ocorre porque quando se iniciam as sensações de desconforto ainda existe álcool no tubo digestivo para ser absorvido, o que agravará ainda mais os sintomas. É importante parar de ingerir antes dos efeitos físicos surgirem. Assim, podemos considerar como mitos: café forte, banho gelado, prática de exercícios

VERDADES E MENTIRAS: MITOS QUE CERCAM O ÁLCOOL

Existem idéias que fazem parte do senso comum levando as pessoas muitas vezes à tomamerem algumas medidas para minimizar os efeitos do álcool as quais não apresentam os resultados esperados. Em outras situações, podem imaginar que a bebida funcionará como uma "aliada" o que não será verdade, conforme se pode observar na Tabela 1.

Tabela 1 - VERDADES E MENTIRAS: MITOS QUE CERCAM O ÁLCOOL

Beber melhora o desempenho sexual -> Mentira
A bebida aumenta o desejo, mas estraga o desempenho dos homens. É fato que o álcool diminui inibições, inclusive as sexuais, entretanto, também faz cair a produção da testosterona.

Tomar café ou banho gelado ajuda a ficar sóbrio -> Mentira
É o fígado que metaboliza o álcool na corrente sangüínea. Nada pode apressar este processo.

Comer antes de beber, ou durante diminui o efeito do álcool -> Verdade
Porque a presença de alimentos impede a absorção direta do álcool, tornando-a mais gradual

Misturar bebidas deixa o sujeito mais bêbado -> Mentira
O que deixa o indivíduo embriagado é a quantidade de álcool que ingeriu, não o tipo de bebida. Tomar bebidas de sabores diferentes, uma seguida à outra, pode deixar o beberrão apenas mais enjoado porque os diferentes sabores, geralmente, não combinam. O cérebro não tem como saber se o álcool que chega a ele é de um licor ou de um uísque.

Mulher grávida não pode beber -> Verdade
O álcool causa vários danos ao feto: retardamento mental, anormalidades orgânicas e problemas de aprendizado no futuro. Não se sabe exatamente a partir de qual quantidade de álcool, esses efeitos nocivos aparecem, portanto, o melhor é não arriscar. O álcool cruza a barreira placentária e se distribui no líquido amniótico e em vários tecidos fetais. Estas crianças podem nascer com a "síndrome alcoólica fetal", que significa poderem apresentar peso e altura inferiores à média, diâmetro reduzido da cabeça, rosto assimétrico, fissuras na pálpebra, deslocamento da pélvis, anomalias cardíacas, deficiência da performance motora, retardo mental, epilepsia, hérnias, entre outras; formando um total de 91 anomalias catalogadas relacionadas a essa síndrome.

 

Nível de Álcool no Sangue e Efeitos

Nível de álcool no sangue é a concentração de álcool em função do número de drinques consumidos e o tempo que se levou para beber.
No Brasil, um indivíduo é legalmente considerado sem condições para dirigir, se o seu NAS - Nível de álcool no sangue for igual ou maior que 0,06%. Pode-se calcular o NAS examinando-se amostras de sangue, urina ou ar expirado. Pode-se chegar a um valor aproximado do NAS através de estimativas, sabendo-se: quanto bebeu, rapidez com que bebeu (tempo) e peso da pessoa.
O número de drinques que se pode consumir por hora para manter um NAS constante, diminui a cada hora.(Próximo de 0.016%= 1 drinque).
Em quantidades elevadas, passa a ocorrer prejuízo das atividades associadas com os processos cerebrais superiores, tais como: fala, planejamento, julgamento, crítica e coordenação motora. Doses mais altas levam à perda de consciência. Na Tabela 2 estão relacionados o NAS e seus efeitos no organismo.

NÍVEL DE ÁLCOOL NO SANGUE: EFEITOS NO ORGANISMO

Nível de Álcool no Sangue

Efeito no Organismo

0,04% - aproximadamente 1 ou 2 doses Hálito alcoólico, desinibição, mudança sutil no estado de espírito.
0,06% - aproximadamente 3 a 4 doses Raciocínio prejudicado com perda de controle sobre o comportamento, menor capacidade de processar informações.
0,10 a 0,15% - aproximadamente de 5 a 6 doses Comprometimento das atividades motoras, visivelmente bêbado, andar cambaleante.
0,20 a 0,25% - aproximadamente de 7a 8 doses Alto risco de blackouts (amnésia) e acidentes
> 0,35% Perda da consciência, paralisia, risco de morte.
0,40% Dose letal


É importante ressaltar que, com o passar do tempo o NAS diminui e os indivíduos sentem mais os efeitos depressivos. Geralmente, é neste período que as pessoas bebem mais para voltar à euforia inicial.
Mulheres terão NAS maior que homens, mesmo com peso igual. Isto se deve ao fato das mulheres possuírem menor quantidade total de líquido no organismo. Estima-se que o corpo masculino é composto de 60% do seu peso total em água, e o corpo feminino de apenas 50%. Portanto, volumes de água menor em mulheres, resultam em níveis maiores de concentração de álcool na corrente sangüínea. A enzima álcool-desidrogenase, que auxilia a decomposição do álcool, é significativamente menor em mulheres, e os níveis hormonais das mulheres mudam durante seu ciclo menstrual, de maneira que os efeitos do álcool serão maiores durante a fase lútea.
Comer antes de beber e durante o tempo em que se está bebendo, retarda o efeito do álcool, porque a taxa de absorção diminui. Beber de estômago vazio aumenta o impacto do álcool, porque o mesmo entra diretamente na corrente sangüínea, atingindo o cérebro.
Quanto maior o peso do indivíduo, menor será o NAS. Como o NAS representa a proporção de álcool em relação ao volume total de líquido, o peso corporal reflete o volume de líquido do corpo. A quantidade de bebida ingerida e seu teor alcoólico influenciam diretamente o NAS, pois quanto mais álcool beber e quanto mais alto o teor alcoólico da bebida, maior o seu valor. Na Tabela 3 podemos observar os fatores que influenciam a velocidade de absorção do álcool, influenciando o NAS.

VELOCIDADE DE ABSORÇÃO

O que aumenta

O que retarda

· A concentração de álcool na bebida. Sua absorção será mais rápida quanto maior for sua concentração alcoólica. · Quanto mais fraco o teor alcoólico menor a concentração alcoólica.
· Bebidas gasosas ou espumantes. Elas abrem o esfíncter pilórico e atingem o intestino delgado mais rapidamente, resultando numa intoxicação mais acelerada. · Bebidas gasosas devem ser tomadas com maior cautela e mais lentamente
· Beber em jejum. A presença de alimentos faz com que a passagem do álcool para o intestino delgado seja retardada e a absorção torna-se mais lenta. · Comer antes de beber e entre os drinques dificulta a absorção do álcool.
· Baixo peso corporal. Quanto menor o peso maior a absorção do álcool, porque o volume total de sangue nas pessoas magras é mais baixo. · Pessoas com baixo peso corporal são mais sensíveis aos efeitos do álcool.
Velocidade de ingestão. Beber rapidamente fará o álcool atingir a corrente sangüínea mais rapidamente. · Beber vagarosamente dará ao organismo tempo de reverter aos efeitos intoxicantes do álcool


Genética e as respostas do Álcool no Organismo

Pesquisa do psiquiatra Marc Schuckit, da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, conduzida desde 1978 demonstra que os filhos de alcoólatras são os mais fortes candidatos ao alcoolismo. A herança genética determina também que descendentes de alcoólatras têm alta resistência ao álcool, tolerando-o melhor.
Afirma Schuckit: "Só 5% dos descendentes de não-alcoólatras têm alta resistência ao álcool. Já quando um dos pais é alcoólatra, o número de resistentes sobe para 40%".
Isso significa que não só a tendência ao vício, mas os tipos de reação ao álcool, podem estar inscritos no DNA.
Experiências com camundongos demonstraram que, os bichos com maior ou menor quantidade de certas moléculas (batizadas de NPY e PKC-épsilon) no organismo, tendem a ingerir menos álcool.
A pesquisa do Dr. Schuckit também mostra que indivíduos capazes de ingerir grandes quantidades de bebidas alcoólicas e estarem "bem" no dia seguinte são justamente os que correm mais risco de se tornarem dependentes. Descobriu-se também que os mais resistentes costumam ser filhos de alcoólatras.
Há tempos, que a ciência conhece relações entre o álcool e a genética. "De um modo geral, os orientais não se dão bem com a bebida", explica Ana Regina, do CEBRID. Segundo a pesquisadora, eles têm uma deficiência de aldeído-desidrogenase, uma enzima que dificulta a eliminação de acetaldeído, um derivado da metabolização do álcool. A falta da enzima provoca o chamado blushing, isto é, uma vermelhidão no rosto, além de náuseas. Nada disso, no entanto, significa que não haja bebedeiras entre os orientais, mas, é um forte indício do peso da genética na reação ao álcool.
Estatísticas do governo americano apontam que 8% da população dos Estados Unidos é vítima do alcoolismo. Entre filhos de alcoólatra, o número sobe para 40%. Quando pai e mãe são dependentes, a porcentagem vai para 60%.(ver Gráfico 6)

GRÁFICO 6


Fonte: Revista Super Interessante Ano 14, n.2 - fev. 2000.

Elói Mendes - Minas Gerais - Brasil
© 2002-2007: EloiMendes.Com - É proibido o uso do conteúdo deste Site sem prévia autorização
Contatos: (35) 3264-3244 / (31) 9928-0368
Provedor WEB - Registro de Domínios - Criação de Home Pages - Hospedagem de Sites